sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A TRI-PERSONALIDADE DIVINA (PARTE 02)

O TERMO “PESSOA”

A declaração de que o Deus único revela-se em “três pessoas” tem sido mal interpretada tanto pelo cristianismo quanto pelos não-crentes, pois a expressão “pessoa” no que se refere à Trindade tem sido confundida como uma referência a um ser individual separado, o que daria a entender que três pessoas divinas fossem três divindades.

No entanto, este outro significado da palavra “pessoa” denota, não a existência separada, mas o relacionamento. Ao denominarmos as formas de subsistência da essência da Divindade de “pessoas”, devemos lembrar que este termo é de origem humana, ou seja, sujeito à falhas.

Bavinck afirmou:

“A palavra foi escolhida, não porque fosse mais precisa, mas porque nenhuma outra melhor foi encontrada. Neste caso a palavra está atrás da idéia, e a idéia está atrás da realidade. Apesar de não poder preservar a realidade a não ser dessa forma, nós nunca devemos nos esquecer de que é a realidade que conta, e não a palavra. Certamente, na glória, outras e melhores palavras e expressões serão colocadas em nossos lábios” (“Teologia Sistemática”, p. 171).

A Bíblia não possui o termo “pessoas”, mas emprega os termos “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo”. E é essa verdadeira realidade da Trindade que mais importa, e não uma mera expressão humana que na verdade não satisfaz plenamente à realidade trinitariana.

W. E. Best, em seu artigo “A Divina Trindade”, trouxe importantes declarações a este respeito:

“A palavra ‘pessoa’ na teologia é definida como um modo de subsistência, a qual é marcada por inteligência, vontade e existência individual. A mente humana não pode compreender o mistério da Trindade, pois o finito não pode compreender o Infinito. A palavra ‘Pessoa’, estudada teologicamente, é usada num sentido diferente dos seus outros usos. Por exemplo, a essência Divina não pode ser ao mesmo tempo três Pessoas e uma Pessoa se ‘pessoa’ é empregada num único sentido. Contudo, ela pode ser ao mesmo tempo três Pessoas e um ser pessoal. As características pessoais pelas quais as Pessoas na Deidade se diferem uma das outras não podem ser as características pessoais da Deidade inteira. ‘Pessoa’ é usada para expressar uma idéia de personalidade dentro da Deidade. Isso evita, por um lado, a idéia de uma mera forma de manifestação e, por outro lado, a idéia de personalidades completamente independentes nos seres humanos. A verdade da Trindade não assevera que há três Deuses em um Deus (triteísmo). Ela não afirma que Deus meramente se manifesta de três formas diferentes (trindade de manifestações). Os Trinitarianos sustentam que há três Pessoas eternas na substância da Deidade (monoteísmo). O Pai, Filho e o Espírito Santo são um Deus. Cada Pessoa tem uma qualidade distintiva. Nenhuma das Pessoas é Deus sem as outras. Cada uma, com as outras, é Deus.” (fonte: http://www.monergismo.com/textos/trindade/trindade_divina_best.htm).

O termo "pessoa" é um pobre recurso humano na tentativa de expressar coisas divinas, apenas um recurso didático que revela a dificuldade existente em utilizar o nosso limitado vocabulário para referir-se a Deus.

A maioria dos teólogos, no entanto, prefere o termo hipóstase em lugar da palavra “pessoa”. Hipóstase é utilizada como um meio-termo entre a simples personalidade e um ser individual. É possível explicar este difícil conceito da seguinte maneira:

“A doutrina de uma subsistência na substância da Deidade nos dá a visão de espécies de existência que são anômalas e sem igual, e a mente humana deriva pouco ou nenhum conceito dessas analogias, as quais estão presentes em todos os casos na Trindade. A hipóstase é uma subsistência real, - uma forma sólida essencial de existência, e não uma mera emanação, ou energia, ou manifestação, - mas é um intermediário entre substância e atributos. Não é idêntica a uma substância, por isso não são três substâncias [ou seres]. Não é idêntica a atributos, por isso, são três 'pessoas' e cada uma igualmente possui todos os atributos divinos… Conseqüentemente a mente humana é induzida a aceitar a noção de espécies de existência que são totalmente incompreensíveis, e não é capaz de ilustrá-las por quaisquer das comparações comuns e analógicas.” (Dr. Shedd, História de Doutrina Cristã, vol. I. pág. 365 como citado na História da Igreja Cristã, de Philip Schaff, Volume 3, Seção 130, páginas 676, 677).

A. H. Strong considerou que:

“(...) O temo ‘pessoa’ só representa aproximadamente a verdade. Apesar de que esta palavra mais aproximadamente do que qualquer outra, expressa a concepção que as Escrituras nos dão da relação entre Pai, Filho e Espírito Santo não é de si mesma empregada nesta conexão na Escritura e empregamo-la em um sentido qualificado, não no sentido comum em que aplicamos a palavra ‘pessoa’ a Pedro, Paulo e João (...)” (Augustus Hopkins Strong – “Teologia Sistemática – Vol. I”, p. 491).

O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL DO SER DE DEUS

Partindo, então, do princípio de que o termo “pessoa”, ao referir-se a Trindade, denota relacionamento e não um ser individual separado, realizaremos, a seguir, um exercício prático utilizando as nossas próprias personalidades para compreender melhor o relacionamento existente no Ser de Deus.

Olhe para dentro de si, para o mais íntimo do seu ser. Este ser é um tipo de existência eternamente limitada (dependente de Seu Criador) e temporariamente falha (não por culpa de Deus, mas do pecado humano), ela necessita crescer e aprender constantemente para se desenvolver. Esta é a escalabilidade da vida humana, que jamais atinge nem sombra da grandeza infinita e insondável de Seu Criador.

O ser humano no sentido essencial e no sentido pessoal é uma unidade simples, mas é de se esperar naturalmente que o Criador possua uma espécie de existência diferente, aliás, superior, uma vez que está infinitamente acima de Sua criação, ilimitado e absoluto. Ele, em Seu Ser, portanto, no sentido essencial é uma unidade, mas no sentido pessoal é composto de três modos de existência:

“(...) o fato de que a escala ascendente da vida é marcada pela crescente diferenciação de faculdade e função deve levar-nos principalmente a esperar no mais elevado de todos os seres uma natureza mais complexa do que a nossa. No homem muitas faculdades se unem em um ser inteligente e, quanto mais inteligente for o homem mais distintas se tornarão tais faculdades umas das outras; até que o intelecto e o sentimento, consciência e vontade admitam uma independência relativa e apareça até mesmo a possibilidade de conflito entre elas. Nada há de irracional ou autocontraditório na doutrina de que em Deus as principais funções são ainda mais notadamente diferenciadas, de modo a torná-las pessoais, enquanto ao mesmo tempo tais pessoalidades se unem pela fé em que cada uma delas e de igual modo manifestam a indivisível essência (...)” (A. H. Strong, “Teologia Sistemática – Vol. I”, p. 512).

Imagine, então, que em seu desenvolvimento da personalidade, fosse possível para a natureza humana atingir um patamar mais elevado a ponto de surgir um desdobramento, originando duas existências distintas entre as emoções e os pensamentos. Em outras palavras o seu “Eu” interior agora passaria a se relacionar com um “Tu”, um habitando no outro, no mesmo ser, mas distintos, uma bipersonalidade. Este relacionamento seria semelhante àquele existente entre as pessoas do Pai e do Filho.

Agora, imagine que neste fictício desenvolvimento de personalidade, a natureza humana pudesse alcançar mais um nível, um segundo desdobramento, resultante do primeiro. Agora, portanto, há um relacionamento interpessoal entre “Eu”, “Tu” e “Ele”, três existências distintas entre as emoções, os pensamentos e a vontade (por exemplo), uma tripersonalidade, um habitando no outro, no mesmo ser, mas distintos, a ponto de podermos aplicar os demais pronomes pessoais a esta realidade: “Nós”, “Vós”, “Eles” (dependendo do contexto). Este relacionamento seria semelhante àquele existente entre as pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo (se já é difícil imaginar o primeiro desdobramento, pior ainda este segundo).

Vejamos outras considerações sobre este relacionamento existente no Ser de Deus:

"(...) Precisamos dizer que as pessoas são reais, que não são apenas modos diferentes de enxergar o ser único de Deus (...) Antes, precisamos conceber a Trindade de forma tal que a realidade das três pessoas se conserve: cada pessoa se relaciona com as outras como um ‘eu’ (primeira pessoa, um ‘você’ (segunda pessoa) e um ‘ele’ (terceira pessoa). Aparentemente, a única maneira de fazê-lo é dizer que a distinção entre as pessoas não é uma diferença no ‘ser’, mas sim uma diferença de ‘relações’. Trata-se de algo bem distante da nossa experiência humana, na qual cada ‘pessoa’ distinta é também um ser distinto. De algum modo o ser divino é tão maior que o nosso que dentro do seu ser único e indiviso pode haver um desdobramento em relações interpessoais, de forma tal que existam três pessoas distintas (...) Essa forma tripessoal de ser ultrapassa sobremaneira a nossa capacidade de compreensão. É uma espécie de existência bem diferente de qualquer coisa que já tenhamos vivenciado, bem diferente de qualquer outra coisa do universo (...)” [pp. 188-189] (“Teologia Sistemática” de Wayne Grudem).

"(...) As três ‘substâncias’ pessoais, como são chamadas, são centros coiguais e coeternos de autoconsciência, sendo cada um um ‘Eu’ em relação aos outros dois, que são ‘Vós’, cada um possuindo a plena essência divina de Deus, a existência específica que pertence só a Deus (...)” (Fonte: Bíblia de Estudos de Genebra - Nota Teológica, pg. 837 - http://www.monergismo.com/).

Obviamente na condição de seres criados, finitos e limitados, esta faculdade pessoal de tripersonalidade não nos foi outorgada, pois ela pertence única e exclusivamente a Deus, o Criador Soberano e eternamente trinitário. Em nenhum momento do tempo foram geradas as pessoas da Trindade (a geração e a procedência existente na Trindade – as quais estudaremos em seguida, pertencem à realidade incompreensível da eternidade). E esta verdade sobre a essência de Deus, além de eterna, é imutável.

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