quarta-feira, 6 de abril de 2011

NOÇÃO DE HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

A Bíblia é inteiramente inspirada por Deus e não possui sequer um único erro (2Pe 1:21; cf Jo 10:35), contudo, a natureza falha do ser humano acarreta dificuldades de interpretação.

Muitas pessoas erram por não conhecerem a Bíblia adequadamente (Mt 22:29). Muitas delas precisam de auxílio para compreendê-la (At 8:26-35; cf. Ed 8:7-8) e outras ainda deturpam as verdades bíblicas propositadamente (2Pe 3:14-18).

A Bíblia afirma ser a Palavra inspirada de Deus, útil para o nosso aprendizado e edificação (Salmos 119:130; Romanos 15:4; 2º Timóteo 3:16-17; Hebreus 4:12; 2º Pedro 1:20b-21).

Deus é perfeito e verdadeiro. Ele jamais erra, mente ou se arrepende em todos os Seus decretos e em todas as Suas obras (Jó 11:7; 1º Samuel 15:29; Isaías 45:19b; Tito 1:2; Hebreus 6:18).

Já que Deus é perfeito e verdadeiro, consequentemente as Suas palavras refletem a Sua essência, ou seja, a Bíblia também é perfeita e verdadeira (Salmos 119:140a; 151a; João 10:35; 17:17).

A Palavra de Deus, inclusive, é eterna, jamais voltará atrás, tudo o que está escrito na Bíblia será cumprido cabalmente (Isaías 55:10-11; Mateus 24:35; Lucas 16:17; 1ª Pedro 1:24-25a).

Os judeus palestinos possuiam um grande respeito pela Bíblia como a Palavra infalível de Deus, até as letras eram consideradas sagradas por eles, sendo que os seus copistas, receiosos de que algumas delas se perdesse na transcrição, as contavam habitualmente, mas davam muito maior consideração à Lei do que aos Profetas e Escritos Sagrados, por conseguinte, a interpretação da primeira era o seu objetivo máximo.

Uma das grandes debilidades de interpretação dos seus escribas era a enfase exagerada na Lei Oral que poderia ser considerada, no fim das contas, como em pé de igualdade às inferências dos rabinos como um alicerce exigido para a Lei Escrita, e então o primeiro tipo de Lei acabava por marginalizar este último (vejam por exemplo a crítica de Jesus sobre isto em Mc 7:13).

Os judeus alexandrinos determinavam sua interpretação bíblica à luz da filosofia alexandrina, ínclusive o princípio de Platão de que não se deveria acreditar em nada que fosse indigno de Deus, ou seja, sempre que, por exemplo, vislumbravam nas páginas do Antigo Testamento algum fato ou acontecimento que contrariasse e não se adequasse ao seu senso filosófico, eles lançavam estes relatos na categoria das alegorias. Para eles, o sentido literal da Bíblia era simplesmente simbolismo de verdades muito mais profundas, e davam muito mais importância ao significado oculto do texto das Escrituras, segundo eles.

Os judeus "caraítas" (do hebraico: "filhos da leitura"), considerados como seita e "descendentes espirituais" dos saduceus, representaram um protesto contra o rabinismo (parcialmente influenciado pelo maometismo). Consideravam a Escritura uma autoridade única quando o assunto era a fé, desconsiderando, por um lado, a tradição oral e a interpretação rabínica, e, por outro lado, um novo e mais cuidadoso estudo das Escrituras.

O resultado da disputa literária no estudo do texto sagrado entre rabinos e cabalistas é o que foi denominado de texto massorético, uma maneira de exposição do sentido do texto sagrado bem mais sadia do que a dos judeus palestinos e alexandrinos, certamente.

Os judeus cabalistas tinham o seu método de interpretação bíblica considerado como uma redução ao absurdo do método dos judeus palestinos, mesmo utilizando o método alegórico dos alexandrinos. Para eles, os "números de cada uma das letras" da lei de Moisés continham um poder especial e sobrenatural.

Os judeus espanhois desenvolveram um método mais sadio de interpretação, justamente em um período (séc. XII ao séc. XV) em que a hermenêutica da igreja cristã estava em profundo declínio e o conhecimento do idioma hebraico estava praticamente perdido.

No período chamado comumente de "patrístico", ou seja dos pais apostólicos (discípulos dos apóstolos de Cristo), três diferentes centros da vida da Igreja influenciaram os métodos de hermenêutica das Escrituras Sagradas, como a "escola de Alexandria" (inicio do terceiro séc. d.C.), cidade onde o judaísmo e a filosofia grega exerceram reciprocamente grande influência, portanto, naturalmente amoldando a sua tão afamada escola catequética com a filosofia da época, harmonizando, assim, religião e filosofia com o método da interpretação alegórica.

Já a "escola de Antioquia" (fim do terceiro séc. d.C.), publicou, inclusive um tratado de interpretação bíblica, mas tinha adeptos de visões diferentes. Uns sustentavam visões liberais, eram intelectuais, dogmáticos, críticos e intérpretes, enquanto outros sustentavam a infalibilidade bíblica e eram mais espirituais e práticos, mas hábeis na interpretação bíblica. Todos eles, porém, valorizaram tremendamente o sentido literal da Bíblia e rejeitaram o método interpretativo da alegoria.

Também surgiu no ocidente uma espécie de método de interpretação bíblica intermediário, com elementos da interpretação alegórica de Alexandria, mas assimilando princípios da escola siríaca e inserindo outro elemento na hermenêutica: a autoridade da tradição e da Igreja na interpretação bíblica.

No período da Idade Média, inclusive no clero, existia uma parcela significativa da população vivendo na mais profunda ignorância em relação à Bíblia, geralmente tida como um livro repleto de mistérios que, por sua vez, só poderiam ser compreendidos por intermédio de uma visão mística do texto. Neste período se estabeleceu definitivamente o princípio de que a interpretação bíblica deveria adaptar-se à tradição e à doutrina da Igreja.

A "Renascença" trouxe a preocupação de se voltar a princípios sadios de interpretação quando a ignorância bíblica grassava nos séculos XIV e XV, inclusive buscando estudar a Bíblia nas línguas originais nas quais foi escrita. O sentido quádruplo que havia neste período em relação às Escrituras (literal, tropológico, alegórico e analógico) foi sendo paulatinamente abandonado e foi sendo estabelecido o princípio de que a Bíblia possui apenas um sentido.

Para os "reformadores" desta época, a Igreja não deveria determinar o que a Bíblia ensina, mas pelo contrário, a Bíblia é que determina o que a Igreja deve ensinar. Entre eles, Lutero se destacou enormemente mais pelas suas regras de hermenêutica do que por sua capacidade de exposição do sentido do texto (exegese), e expôs o texto bíblico, mas limitadamente, ele defendia o método literal, mas não abandonou completamente o alegórico, enquando Calvino foi considerado o maior exegeta e fez exposições de quase todos os livros da Bíblia e defendia apenas o sentido literal. Para ele, deveríamos considerar o que o autor bíblico realmente pretendia dizer e não afirmarmos o que ele deveria ter tido.

Já dentro do catolicismo houve a defesa de que a interpretação bíblica deveria estar em consonância com a tradição da igreja e não deveria haver o direito de um julgamento particular na interpretação do texto sagrado.

Embora, após a Reforma, os protestantes defendessem o princípio de que a Escritura interpreta ela mesma e se resusassem a expor suas interpretações ao domínio da tradição eclesiástica, corriam o perigo de vincular ou até mesmo aprisionar a sua interpretação ao modelo apresentado nas confissões de fé da Igreja, que foram frequentes neste período pós-Reforma. Esse problema chegou ao ponto de forjar facções dentro do protestantismo e um espírito militante, onde cada um se engajava  em defender ardentemente seu dogmatismo confessional buscando tendenciosamente provas no texto sagrado.

Os socinianos promoveram neste período o princípio de que o texto sagrado deveria ser interpretado de uma maneira racional, em harmonia com a razão, para eles, a Bíblia não podia conter nada que contrariasse a razão humana. Doutrinas como a da Santíssima Trindade e das duas naturezas do Redentor foram combatidas evidentemente.

Um teólogo holandês chamado Coccejus, insatisfeito com estas visões de interpretação deste período, defendia que os intérpretes do texto sagrado deveriam analisar cada parte da Escritura com base em seu contexto maior, pois para ele, as partes diversas da Escritura se relacionam entre si, mas equivocadamente defendeu que o texto sagrado continha uma gama extensa de sentidos, uma multiplicidade de sentidos que poderiam ser dedúzidos pelos intérpretes, ou seja, ele defendeu uma pluralidade falsa de significados, confundindo o sentido literal do texto com as possíveis e múltiplas interpretações para o mesmo. J. A. Turretin se opôs a essas ideias, afirmando que a interpretação bíblica deveria ser amparada pela lógica e a análise crítica.

Os pietistas se esforçaram em promover a vida piedosa e representavam uma reação salutar ao dogmatismo da época e a rivalidade militante do protestantismo e defendiam que a interpretação bíblica deveria ser ao mesmo tempo baseada nas línguas originais e influenciada pela orientação do Espírito Santo. Contudo, eles primaram em demasia a edificação em detrimento do conhecimento prático, exortativo e científico contido no texto sagrado. Para eles, a interpretação bíblica deveria ser psicológica, ou seja, os sentimentos dos intérpretes deveriam estar harmonizados com os sentimentos dos autores.

Já o período crítico-histórico obteve, em suma, um resultado benéfico no tocante à interpretação gramático-histórica da Bíblia, asseverando que este princípio duplo deveria ser acompanhado de princípios complementares em defesa da Bíblia como revelação divina. Infelizmente neste período o elemento humano foi demasiadamente enfatizado na escrita do texto sagrado em união ao fator divino de inspiração do texto, mas visões muito divergentes a respeito desta inspiração negaram que ela tenha sido verbal e negaram a infalibilidade bíblica, portanto.

Uma corrente de ensino deste período, essencialmente sobrenaturalista (a gramatical) defendia que todas as  interpretações alegóricas tinham que ser refutadas, exceto onde o autor deixasse muito evidente que desejava empregar mais um sentido ao sentido literal. Enquanto que a outra corrente, a histórica, defenfia que os livros bíblicos se originaram de uma maneira histórica e, por conseguinte, foram historicamente condicionados, fazendo com que as lições de algumas partes do texto fossem apenas empregadas para as pessoas daquela época e não para pessoas de todos os tempos e culturas.

O texto bíblico serviria para ensinar apenas quando apresentasse verdades que aperfeiçoassem o caráter humano. De acordo com seus pensamentos, os livros bíblicos eram produções meramente humanas e falíveis, o que fez com que a razão humana conduzisse a fé.


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FONTE DE PESQUISA BIBLIOGRÁFICA:
Livro: "Introdução à hermenêutica reformada"
(Paulo Anglada – Knox Publicações. Pará. 2006.  1ª edição)

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