sábado, 4 de dezembro de 2010

AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO E A TRINDADE

Partindo do fato de que Jesus é Deus e ao mesmo tempo homem, sugerimos os seguintes questionamentos:

1) A Trindade não teria "perdido" uma das três pessoas quando Cristo encarnou?

2) Ou será que todas as três pessoas da Trindade assimilaram a natureza humana também?

3) Será que a Santíssima Trindade perdeu parte de Sua glória por ter Deus assumido a natureza humana, que é pecadora?

4) Afinal, qual teria sido o efeito da encarnação do Verbo na existência da Santíssima Trindade?

Héber Campos afirmou a imensa importância na união das naturezas em Cristo dentro da Trindade:

"A importância da unio personalis [união pessoal] está no fato de ela ser fundamentada na união trinitária. A união das duas naturezas no Redentor está baseada numa união infinitamente mais elevada das três pessoas num só ser trinitário. Essa união é a mais incompreensível e inefável de todas as mencionadas nas Escrituras. Todavia, diferentemente da unio personalis, a trinitária é uma união de pessoas da mesma essência. A unio personalis, que é a segunda em mistério e insondável em alguns de seus aspectos, é característica da segunda pessoa da Trindade. O Filho, com sua natureza divina, ao unir-se a uma natureza humana, tornou-se Jesus Cristo, o Redentor divino-humano. Se houvesse apenas uma pessoa na essência divina, a nossa salvação teria sido totalmente impossível. Somente porque Deus está unido tripessoalmente entre si é que uma dessas pessoas – o Filho – pôde ser enviada para se tornar o nosso Redentor, assumindo natureza humana (...)” (Héber Carlos de Campos, “A união das naturezas do Redentor”, p.19). [citação em colchetes de minha parte].

A união das naturezas em Cristo é indispensável para a nossa redenção, ela é de vital importância. Esta união também só foi possível graças à existência triúna de Deus (estudaremos estes pontos mais adiante).

Outro ponto que deve ser ressaltado é que a união das naturezas é apenas relativa à Segunda Pessoa da Trindade, Jesus Cristo. O Pai e o Espírito não participam da natureza humana:

“Ao mesmo tempo que entendemos que o Filho foi enviado, cremos que o próprio Filho veio voluntariamente para assumir uma natureza humana numa união pessoal consigo mesmo, de forma que a humanidade existe somente na segunda pessoa, não nas outras pessoas da Trindade. Essa união da natureza divina com a humana é sem confusão, mistura ou separação. Portanto, a união pessoal faz com que a segunda pessoa da Trindade tenha duas naturezas distintas, todavia não uma personalidade dupla. A natureza humana de Jesus Cristo nunca poderia existir fora e à parte da união com o Verbo, a segunda pessoa. Ela nunca poderia ter existência própria como os outros homens. Os homens possuem a natureza humana porque cada um deles é uma pessoa humana, e Jesus Cristo não possui a personalidade humana, mas todas as propriedades da natureza humana.” (Héber Carlos de Campos, “A união das naturezas do Redentor”, p. 106).

Mais adiante, Campos complementou sobre as consequências da união das naturezas sobre a Santíssima Trindade:

“Antes da encarnação, a Trindade era composta desta forma: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Após a encarnação, a Trindade ficou constituída desta forma: Deus Pai, Deus Filho encarnado e Deus Espírito Santo. As três pessoas da Trindade continuam sem sofrer qualquer mudança substancial (...) Não houve mudança na Trindade porque não foi acrescentada nenhuma pessoa a ela. Foi acrescentada à segunda pessoa uma natureza humana, não uma pessoa humana. A Trindade não é divino-humana, mas o Filho eterno sim. O Verbo tornou-se o Deus-homem, mas não perdeu o seu papel trinitário. A encarnação não é uma justaposição de uma pessoa humana com uma divina, mas nela uma pessoa divina assume uma natureza humana, sem perder a natureza divina.” (“A união das naturezas do Redentor”, p. 113).

A encarnação, não acrescentou uma pessoa à Trindade. Do contrário, a chamaríamos de Tetrindade, ou seja, um absurdo herético. A encarnação também não subtraiu uma pessoa da Trindade, pois neste caso seria uma Duodade, outro absurdo herético (muitos acreditam que quando Cristo encarnou, houve a despotencialização do Verbo, a perda da divindade por parte da Segunda Pessoa):

“Se a citação reflete a verdade, verificamos que a despotencialização [perda da divindade] do Verbo na encarnação traz grandes prejuízos para as relações trinitárias, pois, quando há a perda de atributos divinos de uma das pessoas, toda a Trindade é afetada. Esse é um grande problema, que aponta plenamente para a ruptura da doutrina da Trindade, o grande pilar do Cristianismo histórico.” (Héber Campos, “A união das naturezas do Redentor”, p. 268).

É evidente também que a encarnação do Verbo não desmereceu ou inferiorizou a Santíssima Trindade, exatamente pelo fato de que em nenhum momento o Filho de Deus perdeu a Sua divindade quando Ele encarnou (Fp 2:5-7). O que ocorreu foi que a Segunda Pessoa da Trindade passou a compartilhar mais de uma natureza. A encarnação do Verbo manteve a honra, a glória, a majestade e a dignidade da Trindade, pois a natureza humana adquirida pela Segunda Pessoa é santa e perfeita, ela foi gerada pelo Espírito Santo (Mt 1:20; Lc 1:35), ela jamais foi “manchada” pelo pecado, pois Cristo jamais pecou. Cristo não se tornou menos divino com a encarnação, e, portanto, a Trindade jamais foi alterada em Sua natureza divina, apenas foi lhe acrescida, especificamente em Sua Segunda Pessoa, Cristo, uma natureza humana perfeita.

Mas, podemos sugerir outros questionamentos quanto à união das naturezas da Pessoa de Cristo:

1) Mesmo Cristo não tendo perdido a Sua divindade, essa Sua natureza divina não teria se tornado limitada? Afinal, ela foi unida a uma natureza humana, que é limitada.

2) Será que em relação à Sua natureza humana, Cristo está em todas as partes do universo? Afinal, Deus é onipresente.

Grudem ressaltou a realidade existente na operação das naturezas da Pessoa de Cristo e o “raio de ação” das mesmas:

“Quando falamos da natureza humana de Jesus, podemos dizer que ele subiu ao céu e já não está no mundo (Jo 16.28; 17.11; At 1.9-11). Mas com respeito à sua natureza divina, podemos dizer que Jesus está presente em toda parte: ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles’ (Mt 18.20); ‘Eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século’ (Mt 28.20); ‘Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada’ (Jo 14.23). Assim, podemos dizer que duas coisas são verdade a respeito da pessoa de Cristo – ele voltou para o céu, e ele também está presente conosco” (“Teologia Sistemática”, p. 461).

Héber Campos também salientou a dinâmica existente entre as duas naturezas de Cristo e como podemos compreendê-la no que se refere à extensão da operação de cada natureza:

“A essência das duas naturezas permanece intacta. Como o Filho encarnado, ele age em seu modo duplo de existência. Ora percebemos a sua verdadeira humanidade, ora percebemos a sua verdadeira divindade. Possuindo a natureza divina, ele pode ainda existir e agir como um ser divino, e ainda existe e age na esfera da divindade eterna e infinita, sem qualquer limitação. Possuindo a natureza humana, ele pode também existir e agir como um ser humano, e assim existe e age na esfera da sua humanidade finita e temporal, e de acordo com suas limitações. Segundo a natureza humana, ele está localizado no céu e, segundo a sua natureza divina, ele está em toda parte, pois é onipresente (...) Ele é capaz de pensar igual a Deus e igual ao homem (...) Em suas relações trinitárias, ele permanece a segunda pessoa da Trindade imutável, infinita, onipresente e onisciente; em suas relações humanas, ele permanece um conosco, localizado no céu, à direita de Deus” (“A união das naturezas do Redentor”, p. 113).

Quanto à Sua natureza humana, Cristo, permanece eternamente glorificado, mas física e geograficamente vinculado (não limitado) ao Céu, pois onipresença, onipotência e onisciência não são atributos da natureza humana criada por Deus.

Quanto à Sua natureza divina, Cristo é onipresente, onipotente e onisciente, está em todo o universo, pode todas as coisas e sabe de tudo o que acontece.

Ademais, é necessário que Cristo permaneça no Céu poderosamente sustentando todo o universo, dirigindo a Sua Igreja e intercedendo por ela junto ao Pai, entre outras coisas, até o tempo determinado soberanamente para a restauração de todas as coisas (Jo 14:2-6; At 3:19-21; Rm 8:19-23; Hb 1:3; Ap 1:12-20; 2:1).

Podemos, enfim, afirmar que a redenção só se tornou viável devido à união das duas naturezas em Jesus Cristo. Se Ele fosse apenas um ser humano, jamais teria suportado tantas dificuldades e sacrifícios em Sua vida terrena. Se ele possuísse “apenas” a natureza divina, Ele não poderia ser o nosso Mediador (como veremos posteriormente em maiores detalhes):

“A pessoa de Jesus Cristo depende da natureza divina para dar suporte à realização da obra da redenção, porque, sem a natureza divina, o Salvador não poderia suportar o que suportou. Por outro lado, a pessoa de Jesus Cristo não poderia fazer o que fez se não possuísse a natureza humana” (“A união das naturezas do Redentor”, p. 115).

Analogias gráficas da Santíssima Trindade antes e após a encarnação do Verbo

Poderíamos traçar um paralelo gráfico com o diagrama que apresentamos na postagem das analogias gráficas superiores.  A figura 10 (a qual apresentamos anteriormente na postagem sobre as analogias gráficas superiores), logo abaixo, é a que, segundo o nosso entendimento, melhor exprime a Santíssima Trindade, mesmo que ainda seja limitada. Ela demonstra as três subsistências divinas preservadas em Suas distinções, mas, ao mesmo tempo, também demonstra que cada uma constitui a totalidade do Ser divino. Tudo isso com o auxílio das linhas pontilhadas internas.

Após a encarnação da Segunda Pessoa, porém, a figura 10, passaria a ter a formação da figura 53, acima. Cada pessoa da Trindade, portanto, continua preservando Sua divindade, inclusive a Segunda, porém, esta última uniu à Sua existência a natureza humana, recebendo o nome de Jesus.

O retângulo contínuo, sem linhas pontilhadas, acrescentado à subsistência do Filho (figura 53), significa a Sua exclusiva natureza humana, “limitada” à um determinado local do universo (o Céu, por exemplo), unida, mas não misturada ou confundida à Sua natureza divina. A ausência de linhas pontilhadas neste retângulo, no entanto, não enseja que Cristo, em Sua natureza humana não possua qualquer contato com as demais pessoas da Trindade, pois, isso indicaria que uma parte da Pessoa de Cristo existiria alienada da mesma essência da Divindade. Pelo contrário, este retângulo contínuo só expressa a exclusividade da natureza humana de Cristo (Grudem apresentou uma interessante figura para demonstrar a Pessoa de Cristo e a Trindade – “Teologia Sistemática”, p. 460).

Outras questões podem ser levantadas quanto à dinâmica existente entre as naturezas de Cristo, como quando Ele dormia em um barco onde estavam os discípulos (provavelmente e obviamente por estar cansado), mas foi despertado e foi capaz de acalmar uma terrível tempestade no mar apenas com uma voz de comando (Mt 8:24-27). Esta discussão, no entanto, requer uma obra exclusiva sobre este fascinante e misterioso assunto. Os livros nos quais realizamos as pesquisas para este estudo são uma sugestão para um abundamente e edificante estudo sobre este tema.


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Nota: A Pessoa de Cristo, em Sua união hipostática também pode ser chamada teologicamente de “teantrópica” (do grego: théos=Deus + anthropos=homem), ou seja, Deus-homem.

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