sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

AS DUAS NATUREZAS DA PESSOA DE CRISTO

"[...] Conquanto o assunto da unio personalis [ou união pessoal] seja um mistério muito grande, somente precedido em profundidade pelo mistério da união das três pessoas da Trindade, não podemos nos furtar a estudá-lo [...]” (Héber C. Campos, “A união das naturezas do Redentor”, p. 16); [citação entre colchetes de minha parte].

Quando Cristo esteve entre nós, passou por diversas situações tipicamente humanas, teve um crescimento físico normal como todo ser humano (Lc 2:7,39,52), passou fome e sede (Mt 4:2; Jo 4:7), desfrutou de uma amizade, da perda de um amigo (Jo 11:35-36; 13:23) e sofreu tentações (Mt 4:1-10; Hb 4:15; 5:7). Porém, como já vimos anteriormente, o Filho de Deus é eterno, assim como o Pai e o Espírito Santo também o são.

Quando a Segunda Pessoa da Trindade encarnou, recebendo, assim, a natureza humana oriunda de Maria, que gerou a Jesus Cristo em seu ventre pelo poder do Espírito Santo (Lc 1:30-35), esta natureza humana foi unida à Sua já eterna natureza divina em uma só Pessoa. Portanto, o Senhor Jesus Cristo, após a Sua encarnação, passou a possuir duas naturezas concomitantemente: a humana e a divina, mas, sem que uma natureza comprometa a outra. A Sua divindade não o torna menos humano e a Sua humanidade não o torna menos divino (Fp 2:5-7; cf. 1Tm 2:5). Este é mais um mistério dentro do grande mistério da Trindade.

A união destas duas naturezas em Cristo foi possível pelo fato de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, ou seja, natural e moralmente parecido com Deus (Gn 1:26-27), por isso, possuidor de uma certa afinidade com Ele (2Pe 1:4). Deus jamais iria se encarnar em um ser irracional e sem alma. É importante salientar, entretanto, que a natureza humana de Cristo não é decaída como a nossa, ela não compartilha da pecaminosidade que acompanha a humanidade desde a “queda” de Adão e Eva (Rm 5:20-21; Hb 4:15; 7:26) e que a Segunda Pessoa da Trindade não encarnou em um ser humano já existente, o que seria um absurdo herético. Neste caso então à Trindade teria se somado mais uma pessoa e passaria a ser uma “Tetrindade” (quatro pessoas).

Héber Campos sabiamente trouxe considerações que nos auxiliam neste estudo:

“Jesus Cristo é o Verbo divino que se fez carne. Ele não é metade homem. Ele é plenamente Deus e plenamente homem. Na encarnação não houve nenhum acréscimo à sua natureza divina, mas o Verbo adquiriu uma natureza humana que não possuía antes da encarnação. Ele não é meramente um homem que possui certas qualidades divinas dentro de si, nem o Deus que possui algumas qualidades humanas, mas ele é perfeitamente Deus e perfeitamente homem, possuindo ambas as naturezas, a divina e a humana, de modo que ele é Deus cem por cento e homem cem por cento, possuindo todas as propriedades de cada natureza (...)” (“As duas naturezas do Redentor”, p. 101).

Mais adiante, Héber Campos complementou:

“(...) De Maria não iria nascer simplesmente e unicamente uma das naturezas do Redentor – a humana, porque esta natureza não seria personalizada, nem existiria antes e à parte de sua união com a Segunda Pessoa da Trindade, que possuía a natureza divina, o Verbo. (...) Todavia, esse ser pessoal deriva sua personalidade e sua natureza divina de Deus, e sua natureza humana de Maria. Quando houve a união das duas naturezas numa manifestação poderosa do Espírito Santo no ventre da mãe, então passou a existir um ser pessoal em Maria que, depois de nove meses, saiu do seu ventre (...)” (p. 103).

Hermisten da Costa em sua obra “Eu creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo” apresentou evidências bíblicas sobre a união pessoal de Cristo. Estes textos citados pelo autor não são como os que citamos até o momento em nosso estudo, ora demonstrando a natureza humana, ora demonstrando a natureza divina de Cristo. Nestes casos, estes textos indicam claramente as duas naturezas simultâneas do Redentor, unidas em uma só “Pessoa”. Observemos:

“1) Jesus Cristo fala de si mesmo como uma única pessoa; não havendo o intercâmbio entre um ‘Eu’ e um ‘Tu’ entre as duas naturezas (Jo 17.1, 4, 5, 22, 23); 2) Os pronomes pessoais atribuídos a ele são sempre referentes a uma pessoa; 3) Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não havendo uma preponderância do divino sobre o humano nem do humano sobre o divino. Não podemos falar biblicamente – como muitas vezes somos tentados a pensar – em Jesus agindo, pensando e falando como homem em alguns textos, e em outros como Deus. Jesus é o Verbo de Deus encarnado que vive, sofre, morre e ressuscita como tal. Jesus Cristo não tem personalidade fragmentada, sendo em alguns momentos Deus e em outros homem. Por isso, os atributos de sua divindade, bem como de sua humanidade, são atribuídos a uma só Pessoa. Leia com atenção os seguintes textos: Lc 1.43 – Mãe do Senhor. Lc 2.11 – Nasceu o Senhor. Jo 3.13 – O Filho do Homem está aqui e no céu (vd. Jo 1.18; 6.62). At 3.15 – Mataram o Autor da Vida. At 20.28 – Sangue de Deus. Rm 9.5 – Cristo, Deus bendito. 1Co 2.8 – Crucificaram o Senhor da Glória. Gl 4.4 – O Filho foi enviado para nascer. Hb 1.1-2 – O Filho é herdeiro de todas as coisas. Cl 1.13-20 – ‘Nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho de seu amor...Ele é a imagem do Deus invisível...havendo feito a paz pelo sangue de sua cruz...’. Cl 2.8-9 – Em Cristo habita a plenitude da divindade. Além dos textos citados, leia também: Mt 1.21; Lc 1.31-33; Fp 2.6-11, entre outros. 4) Todos os que se referiam a Jesus Cristo faziam menção de uma só pessoa (Mt 16.16; 1Jo 4.2).” (pp. 247-248).

Existem dois textos bíblicos que, de forma especial, comprovam claramente a existência das duas naturezas em Cristo simultaneamente, onde Cristo é apresentado como descendente de Davi, isto é, conforme a natureza humana, mas também é identificado como Filho de Deus (de natureza divina) ou até mesmo como Deus bendito:

“O qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1:2-4); “Deles são os patriarcas e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém.” (Rm 9:5); [grifos meus].

É importante ressaltar que, ao contrário do que muitas pessoas possam acreditar, esta união de naturezas da Segunda Pessoa da Trindade não foi temporária, mas é eterna. Primeiramente, Cristo não se apresentou após a ressurreição apenas espiritualmente, como se tivesse desencarnado, Ele se apresentou fisicamente. Sua ressurreição foi com um corpo humano, porém glorificado, quando, inclusive, Ele pôde ser tocado pelos discípulos e comeu com eles:

“Falavam ainda estas cousas quando Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: Paz seja convosco. Eles, porém, surpresos e atemorizados acreditavam estarem vendo um espírito. Mas ele lhes disse: Por que estais perturbados? E por que sobem dúvidas aos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E por não acreditarem eles ainda, por causa da alegria, e estando admirandos, Jesus lhes disse: Tendes aqui alguma cousa que comer? Então lhe apresentaram um pedaço de peixe assado [e um favo de mel]. E ele comeu na presença deles.” (Lc 24:36-43,51; comparem com At 1:1-11; 2:32; 7:54-60; 10:41; Jo 20:19-31; 21:5,13-14; cf. 1Jo 1:1).

Este estado simultâneo de dupla natureza em Cristo é para sempre. Ele apresentará eternamente em Seu corpo glorificado as marcas de Seu sofrimento na cruz, uma eterna prova do Seu amor sacrificial por nós, a ponto de ficar marcado para sempre em Seu corpo glorificado. Na visão que o apóstolo João recebeu de Deus, que resultou no livro do Apocalipse, ele descreveu simbolicamente ter visto “de pé, um Cordeiro como tendo sido morto” (Ap 5:6a), confirmando a existência das cicatrizes no corpo do Senhor.

Não podemos deixar de mencionar que a dinâmica da união das naturezas humana e divina do Senhor Jesus foi uma doutrina, ao lado da trinitariana, que também encontrou forte oposição, como, por exemplo (conforme a “Teologia Sistemática” de Wayne Grudem):

1º) O apolinarismo, que “ensinava que a pessoa única de Cristo possuía um corpo humano, mas não uma mente ou um espírito humano, e que a mente e o espírito de Cristo provinham da natureza divina do Filho de Deus.” (p. 457);

2º) O nestorianismo, “doutrina de que havia duas pessoas distintas em Cristo, uma pessoa humana e outra divina.” (p. 458); e

3º) O monofisismo (ou eutiquianismo), “a idéia de que Cristo possuía só uma natureza” (p. 458).

O Credo de Calcedônia trouxe a definição bíblica e definitiva contra estas heresias. Vejamos, a seguir, o seu conteúdo:

CREDO DE CALDEDÔNIA (451 A.D.)

“Fiéis aos santos Pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, e perfeito quanto à humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo, consubstancial ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; em tudo semelhante a nós, excetuando o pecado; gerado segundo a divindade pelo Pai antes de todos os séculos, e nestes últimos dias, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, mãe de Deus (*); um e só mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis; a distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, antes é preservada a propriedade de cada natureza, concorrendo para formar uma só pessoa e em uma subsistência; não separado nem dividido em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho, o Unigênito, Verbo de Deus, o Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas desde o princípio acerca dele testemunharam, e o mesmo Senhor Jesus nos ensinou, e o Credo dos santos Pais nos transmitiu.” (Wayne Grudem, “Teologia Sistemática”, pp. 459-460).

Quando o Credo de Calcedônia afirma que a união das duas naturezas de Cristo ocorre em “uma só pessoa e subsistência”, a palavra grega para “subsistência” é hypostasis, ou seja, “ser”. Desta forma, a união das naturezas de Cristo em uma só pessoa é geralmente denominada de união hipostática. Em outras palavras, a união das naturezas em apenas um Ser. Esta palavra subsistência (hypostasis) é frequentemente usada também para definir as pessoas da Santíssima Trindade, como temos visto ao longo deste estudo.

É de suma importância também ressaltar que quando este mesmo Credo afirma que a Virgem Maria é a “Mãe de Deus”, ele está se referindo ao fato dela ser mãe de Cristo, que é Deus, a Segunda Pessoa da Trindade e não expressando algum conceito idólatra.

Sobre esta questão Hermisten da Costa afirmou que:

“(...) O Concílio de Éfeso (431, alguns anos antes do Credo de Calcedônia) utilizou esta expressão (‘Mãe de Deus’) não como uma atribuição de majestade a Maria [o que viria a acontecer por volta do sexto século, quando Maria começaria a ser adorada], mas sim como reconhecimento de que o que dela nasceu, por obra do Espírito Santo, era o Filho de Deus, o Deus encarnado desde à concepção (...)” (“Eu creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo”, nota da p. 36; citações minhas entre parênteses).

Na próxima postagem traremos mais considerações referentes a este assunto.

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